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Nesta edição
Porque é que Trump está a promover tarifas, corte de despesa e rutura com aliados em vez de corte de impostos, desregulação e a sua agenda pró-crescimento? O foco do momento é gerar o caos nos mercados. Trump deita-se e acorda a pensar num só objetivo – baixar os juros rapidamente, custe o que custar.
Hard Reset é do que se fala em Wall Street.
Mas há mais. Muito mais.
Politics suck!!
O algoritmo (insta, X, redditt) está a deixar-me louco! Para onde que quer que olhe, tudo é sobre Trump, Musk, DOGE, imigração, guerra comercial, tarifas, retaliação dos aliados, boicote à América, economia a abrandar.
Não há descanso. Tenho tentado manter-me calmo, apesar dos headlines e da minha conta no vermelho. Caiu a semana passada, caiu ontem e cai hoje. Para já, não parece haver inversão.
Gostava de poder desligar-me de tudo, ir passear com os meus filhos, desconectar e esperar que isto passe. Será boa altura para umas férias?
Uma voz interior diz-me que não, que é altura de tentar fazer algum sentido disto tudo.
“It's okay to be disappointed, but it's not okay to be surprised.”
Volatilidade é a palavra de 2025, lembra-se?
Hard Reset Theory
Esta é a teoria que tem crescido em Wall Street.
Hard Reset representa o novo modus operandi do EUA e da Administração Trump.
Hard Reset na relação militar com os aliados
Financiamento da NATO e mediação de conflitos militares
Hard Reset na relação com os seus parceiros comerciais
Aplicação de tarifas sobre Canadá, México, Europa e China
Redução do deficit comercial $1.1 trillion
Hard Reset na imigração
Deportações, reforço de fronteiras e controlo de imigrantes
Hard Reset na despesa pública e dimensão do governo federal
Despedimentos e corte massivo de despesa – objetivo $1 trillion
Redução do deficit orçamental e dívida americana
Cada um destes vetores segue padrão de atuação:
Intimidação – Rutura – Negociação – Cedência e Compromisso
“O sistema precisa de profunda mudança”. Foi para isso que a maioria votou. Nesta fase, e atendendo à dimensão da tarefa, “a coisa só vai lá com um choque”! Onde a diplomacia e a perseverança falharam, a intimidação, a rutura e a reconstrução vingará. Os meios, quaisquer que sejam, justificam os fins e a lei do mais forte prevalecerá. Este é o novo modelo.
No meio do caos, Trump nunca exclui a possibilidade de negociação. Este sempre foi o seu jogo-final.
Por vezes o mundo avança com diplomacia, outras vezes com rutura. Funcionará?
Do otimismo ao pânico em dias
2025 começou com otimismo e confiança económica, com o S&P500 a atingir máximos a 19 de fevereiro. A escalada das tarifas alfandegárias mudou tudo.
Os investidores passaram de “extreme greed para extreme fear” em questão de dias.
A queda das bolsas americanas foi rápida e violenta, não passou despercebida a ninguém. A confiança e sentimento positivo foi severamente abalado.
Desde 1950, esta foi a quinta descida mais rápida do S&P 500 até aos -10%.
Como foi possível isto mudar tão rápido (?) quando ainda há um par de semanas celebrávamos máximos históricos!
Definitivamente, não era isto que os investidores esperavam, especialmente os que definiram o seu posicionamento com base no primeiro mandato de Trump.
Como Michael Batnick bem descreve:
“People are feeling especially emotional because of the political landscape. For non-Trump voters, their greatest fears are coming to fruition. “Oh my god. I knew it. He’s going to crash the market. Why didn’t I sell!?!?!
For Trump supporters, there’s a feeling of, “Wait. I thought we were getting deregulation, lower inflation, and a pro-growth agenda. This is not what I was expecting!”
O que mudou então?
A agenda da administração americana passou a ter um só foco - baixar as taxas de juro rapidamente!
Vamos por pontos:
Os EUA têm uma enorme fatura de dívida soberana a vencer em 2025, que vão ter de refinanciar.
O momento de vencimento desta dívida não podia ser mais inoportuno. Depois de 15 anos de juros a zero e negativos, hoje as taxas de juro de longo prazo continuam muito altas:
10 yr yield – 4,2%
20 yr yield – 4,6%
30 yr yield – 4,5%
Os EUA não podem refinanciar esta dívida com juros tão altos.
Aqui chegados, é preciso gerar a “confusão” necessária para baixar as taxas de juro.
Como é que isso se faz? Com disrupção e incerteza nos mercados financeiros!
O importante é gerar um “growth scare” - provocar uma desaceleração económica que leve a Fed a baixar as taxas de juro. Atua-se em todas as frentes – Tarifas, Ucrânia, DOGE (Department of Government Efficiency)!
É difícil manter o fio à meada e estar a par de todas as mudanças de direção - aplicam-se tarifas, suspendem-se, adiam-se, voltam a aplicar-se, em parte, em todo, ao Canadá, ao México, à China, à Europa.
A retaliação dos parceiros comerciais não tardou a chegar. A guerra comercial está aí.
Noutra frente, Musk no DOGE aplica a receita já usada no Twitter – slash and burn – despedimentos em massa (+250k federal workers so far, 10% do total) e “corta a direito” na despesa federal.
O abrandamento económico é inevitável mas propositadamente promovido. As eleições só voltam em 4 anos, haverá tempo e “coelhos na cartola” para dar a volta. O sistema precisa de total reconfiguração e foco absoluto em baixar os juros. Pelo caminho, cumprem-se promessas eleitorais. Por agora, os mercados deixaram de ser a medida de sucesso da governação. “Short-term pain for long term gain (!)?”
Be careful what you wish for!
De vez em quando as coisas correm exatamente como o esperado. A reação dos mercados foi imediata.
O mercado de ações…
Os mercados de dívida …
Descontando um cenário de desaceleração económica, provável recessão, a procura por ativos seguros impulsionou o seu preço – obrigações e ouro. Ouro em máximos e taxas de juro de dívida americana a cair. O CBOE Volatility index, índice do medo, atingiu máximos.
“So far so good” para a administração americana.
Confiança e posicionamento
O sentimento no mercado foi severamente abalado. Não víamos leituras de indicadores de confiança tão negativas desde o Covid. As emoções e o pânico estão no comando das decisões financeiras de milhares de investidores. Espero que você não seja um deles.
Fig 5 Bloomberg
Investidores estão extremamente nervosos quanto ao futuro da economia e dos mercados. Quando a lógica falha, a confiança é abalada, o pânico se instala e as emoções tomam conta - normalmente são boas notícias. Nos investimentos, este enquadramento resulta quase sempre em seu favor.
Durante correções, os mínimos de mercado são coerentes com tanto pessimismo, momento em que as bolsas invertem e regressam à sua trajetória de crescimento.
Mark Newton, Fundstrat added “the last two times that AAII sentiment (fig. 5 Bloomberg) got this bearish were in 2022 after the market fell 25%, and 2009 after a 40% drawdown.
Nine times out of 10 when [investors get this fearful], it’s really getting close to a time you want to buy the market”.
Individualmente título a título, ou de forma agregada (índices bolsistas) muito dano foi gerado no mercado.
As quedas recentes não são resultado de uma deterioração dos fundamentos económicos ou de contração nos lucros das empresas americanas. Dão-se por uma alteração de posicionamento dos investidores - menos ações americanas, mais ações resto do mundo, obrigações e ouro.
“ Be fearful when others are greedy and be greedy only when others are fearful.”
A valorização dos mercados internacionais em contraciclo com os EUA sugere uma leitura sobre as tarifas como tática negocial e não descontam um cenário de recessão nos EUA. Ninguém sai ileso de uma recessão nos EUA.
Final thoughts
Por agora, “hard reset” é a teoria dominante, mas é só uma teoria.
Navegar Wall Street é complexo e a explicação mais simples nem sempre é a mais correta.
Em minha opinião, embora reconheça a urgência dos EUA de refinanciamento a juros mais baixos, não acredito numa intenção propositada de fazer cair os mercados. Trump passou das promessas eleitorais a ação política. Não há nada de profundamente novo aqui.
Tive oportunidade na edição anterior de fazer algumas reflexões sobre o porquê da correção atual não me parecer uma antecipação da próxima crise financeira.
Acrescento três pontos:
As quedas atuais são consistentes com a volatilidade normal das bolsas. Podemos esperar uma queda de -10% pelo menos uma vez por ano. sendo a queda média anual é de -14%.
Não há retorno sem volatilidade.
S&P500 intra-year declines vs calendar year returns
As quedas atuais são consistentes com o padrão sazonal. Fevereiro é por tradição um mês de fraqueza nas bolsas.
Agravado em anos pós-eleitorais. O 1º trimestre pós-eleições é por norma dos piores de todo o mandato de 4 anos.
De momento o foco dos investidores continua a ser a extensão da queda, ainda por determinar. Aquilo de que ninguém tem falado, e que ocupa a minha atenção é a “duração da queda”. A memória recente dos investidores, e o seu bias, tem sido de rápidas quedas e rápidas recuperações - chamado de “V shape recovery”. Quando a recuperação deixar de ser de 2 a 3 semanas (meses), e passar a ser de 2 a 3 anos, muitos redefinirão expectativas e eventualmente o perfil de risco.
O medo é desconfortável mas é o medo que nos torna melhores investidores.
Defendo que quedas de mercado são saudáveis neste ponto, o de perceber se estamos com o nível de risco adequado em carteira.
E você? Está mais pessimista ou mais otimista? Ficamos por aqui ou isto é só o início de uma queda maior? Gostava de ouvir o que pensa sobre o tema.
Teremos mais respostas (e contexto) nas próximas edições. Até já!
Obrigado pelos artigos, sempre interessante o teu ponto de vista.
Trump pode ser um grosseiro mas não é burro nenhum...
Quais as estratégias que recomendas nesta fase para quem tem portfólio investido?
Cash out and wait? (para quem ainda não o fez, já começa a doer...)
Enquanto o mercado não encontrar o "fundo", porque motivos se deve investir em acções, etfs ou quaisquer outro produto que esteja a sofrer com a desvalorização americana? Como é que um Europeu deve olhar para os seus investimentos? Esperar que a bolsa americana comece a recuperar?
Investir mais em bolsas europeias, com o detalhe de novos investimentos a surgirem na área da defesa?
Abraço